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EBOLA: a humanidade está em perigo?

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EBOLA: a humanidade está em perigo?

Um surto de uma virose em alguns países da África Ocidental merece toda a atenção da comunidade internacional. Todos já devem ter ouvido falar do vírus Ebola, Zaire ebolavirus, uma partícula viral (tecnicamente “vírion”) composto por uma molécula de RNA muito particular, pois sua geometria molecular é inversa ao sentido usual, inserida em um envelope filiforme característico, de onde resulta o nome do grupo dos filovírus. O aspecto realmente assustador desse surto é a rapidez com a qual a virose evolui nos pacientes contaminados, e sua alta letalidade. A virose pode matar de 90 a 100% dos infectados. Médicos e enfermeiros que atendem os doentes nos locais do surto devem medir sua temperatura duas vezes ao dia. Ao menor sinal de febre, são colocados em isolamento.

O QUE É O EBOLA

O vírus Ebola (EBOV) provoca uma das mais letais infecções transmissíveis, responsável por altas médias de fatalidade e substancial morbidade, em surtos esporádicos. À medida em que os seres humanos invadem o interior de regiões endêmicas, na África Central e Ocidental, próximas da floresta tropical, o risco de se contaminar com o vírus aumenta, pois há animais, como os grandes morcegos frugívoros da família Pteropodidae, que são considerados reservatórios naturais da doença. Embora não sejam hematófagos, e não apresentem sintomas, eles podem eventualmente compartilhar alimento, água etc e contaminar com sua saliva recipientes compartilhados por animais domésticos e mesmo frutas que venham a ser consumidas.

A transmissão pelo ar ainda não foi totalmente descartada, além da reconhecida transmissão por contato direto com os líquidos do corpo entre pessoas. Homens que conseguiram sobreviver continuaram a transmitir o vírus pelo sêmen por sete semanas depois de recuperados. Tudo somado, o perigo de uma epidemia de grandes proporções aumenta, dado que não existe tratamento nem prevenção, seja na forma de remédios ou vacinas.

Até Agosto de 2014 foram confirmados 2127 casos da doença, com 1145 mortes, em Serra Leoa, Guine, Liberia e Nigeria. No entanto, diante da precariedade dos registros sanitários daquela região, é muito possível que esses números sejam muito subestimados. Pouco se sabe sobre a doença, mas por aquilo que se conseguiu esclarecer desde 1976, quando da primeira aparição do vírus no Zaire (hoje República Democrática do Congo), nas proximidades do Rio Ebola, sabe-se que a contaminação ocorre no contato com líquidos corporais com alguma escoriação da pele ou com superfícies úmidas, como olhos, mucosa do nariz, boca, etc. Animais domésticos, como porcos, também podem ser transmissores, em especial em regiões onde há morcegos da família Pteropodidae, o que cobre uma larga área. O hábito de abater macacos para alimento, e o consequente contato com seu sangue, parece ter sido decisivo para o início da transmissão para humanos.

O vírus inativa a linha de frente do sistema imune que está presente no tecido epitelial. Existem células dendríticas em meio às células da epiderme que têm função de detectar corpos estranhos e disparar sinais de ativação de linfócitos T, que normalmente são muito efetivos contra microrganismos invasores, inclusive na ativação de anticorpos. Sem essa linha de defesa, o vírus se replica rapidamente, mesmo se não penetre nos linfócitos. Assim, partículas virais são silenciosamente produzidas a partir dessa parte do tecido epitelial, que não é vascularizada, mas, aumentando muito em número, logo ganham a corrente sanguínea. A incubação da doença pode durar de dois a 21 dias, quando então aparecem sintomas como febre, intensa fraqueza, dor de cabeça e dor de garganta. Esses sintomas iniciais são agravados com a progressão da doença, que leva ainda ao comprometimento das funções hepática e renal. As pessoas podem contaminar outras apenas quando o vírus aparece em seu sangue ou secreções, o que pode demorar até 61 dias após o início dos sintomas.

Ao atingir outras regiões do corpo, as partículas virais se deparam com grandes células chamadas macrófagos, que normalmente se deslocam com movimento ameboide por entre as células do tecido conjuntivo frouxo. Essas células são devoradoras de partículas estranhas, e, assim, englobam as partículas virais filiformes, mas com uma reação adversa. A maquinaria viral no interior do macrófago ativa a produção desenfreada de proteínas que desencadeiam a coagulação sanguínea, formando coágulos (“trombos”) que bloqueiam a circulação em vasos pequenos, além de produzirem substâncias que danificam o epitélio de revestimento dos vasos sanguíneos. Isso provoca hemorragias, com sangramento pelo nariz, olhos, vagina etc. Embora essa seja uma reação comum, nem todos os pacientes apresentam esse tipo de hemorragia.

As partículas virais, que aumentam rapidamente em número, atacam outros órgãos e diversos tipos de tecidos, em especial no fígado, comprometendo a produção de elementos celulares relacionados com a coagulação sanguínea, e nas glândulas adrenais, que deixam de produzir hormônios relacionados com o controle da pressão sanguínea. No trato gastrointestinal, a destruição de células leva à perda rápida de líquidos, com forte diarreia que pode rapidamente levar à desidratação.

TRATAMENTO E COBAIAS

Os doentes são tratados com cuidados paliativos, contornando os problemas com reposição de líquido e eletrólitos. Como as partículas virais estão nos líquidos perdidos, a saliva, o suor e o sangue podem contaminar outras pessoas, inclusive por contato direto simples. Isso explica duas razões para temer dessa doença: sua potencialidade de disseminação é muito grande e o tratamento dos doentes requer uma infraestrutura especializada, que normalmente não existe nos países onde ocorreram surtos da doença. A terceira razão é, contudo, a mais evidente: a mortalidade é muito alta.

A alta mortalidade da virose fez eclodir um debate mundial sobre a ética na clínica médica, pois diante da situação emergencial é necessário tentar utilizar remédios e técnicas que ainda estão em teste, fazendo dos doentes verdadeiras cobaias humanas. No entanto, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reuniu um bom número de especialistas e definiu alguns parâmetros que, se satisfeitos, permitem o uso de drogas e tratamentos ainda experimentais, mesmo se há dúvidas de que, de fato, possam trazer benefício maior do que os possíveis efeitos colaterais.

As estatinas, por exemplo, poderão ser utilizadas no tratamento dos doentes, pois têm efeito sobre os trombos (efeito antitrombótico), melhoram a função do endotélio dos vasos e outros efeitos comprovados. No entanto, podem provocar diarreia, náusea e outros efeitos adversos que poderiam agravar o quadro dos doentes, daí a dúvida que alguns especialistas levantam sobre os reais benefícios que algumas drogas podem efetivamente trazer aos doentes. No entanto, é alta a probabilidade de drogas com efeito conhecido na clínica médica sobre o estado hemodinâmico de fato trazerem benefício aos doentes.

Diversas drogas experimentais têm sido sugeridas, mas os órgãos internacionais consideram apenas a possibilidade de recomendar aquelas que já tiveram resultados positivos em humanos, ou em experimentos com primatas, em testes padronizados. Neste caso, vemos como o uso de animais é indispensável na pesquisa de drogas novas na clínica médica.

No entanto, esse conjunto de drogas e terapias são paliativas e visam prolongar a vida dos doentes; uma outra linha de atuação tem sido tentada com drogas utilizadas no tratamento de hepatite C, como um interferon sintético. O laboratório ucraniano que o produz (Pharmunion BSV Developent) já encaminhou 60.000 doses gratuitamente para os países africanos com a doença. Os pacientes que foram levados aos Estados Unidos receberam um coquetel de anticorpos, chamado Zmapp, mas não é possível ter certeza se sua sobrevivência tenha sido devida ao tratamento. Essa terapia deriva de testes com macacos Rhesus, em artigo publicado no ano passado, os quais demonstraram que um coquetel de anticorpos produzidos a partir de uma técnica especial (os anticorpos monoclonais) salvou 43% dos animais infectados, enquanto a mortalidade do grupo controle (e os registros históricos) tenha sido total.

Ironicamente, uma das terapias em estudo é derivada da chamada soroterapia, testada há mais de um século, na qual se procuram pacientes que tenham sobrevivido à doença, e lhes é pedida doação de sangue. Em seu soro deve haver anticorpos específicos contra o vírus Ebola; se ele ajudar a combater o vírus, seria uma terapia muito eficiente. Com técnicas modernas seria possível produzir esses anticorpos artificialmente e ter um novo tratamento potencialmente muito efetivo.

No entanto, os cuidados da OMS se justificam, pois se forem testadas drogas experimentais na África, sem garantias mínimas de real possibilidade de benefício, ao invés de ajudar, tais iniciativas poderiam atrapalhar o combate do surto. O sentimento de que as companhias farmacêuticas multinacionais estejam se aproveitando do surto para fazer testes de campo em seres humanos poderia despertar reações adversas e perigosas, o que poderia deixar fora de controle a disseminação da doença. No momento o alerta internacional vai no sentido de impedir que a doença se espalhe por outros países. Portos e aeroportos devem isolar pessoas que apresentem febre ao chegar das regiões de ocorrência do surto. Por enquanto essa é a única forma segura de tratar o surto, sem tornar cobaias humanas as pessoas doentes de uma virose que mata mais da metade dos doentes.

QUAL A REAL DIMENSÃO DOS RISCOS?

A área na qual já foram detectados vírus Ebola ou similares cobre uma área muito extensa na África. Os morcegos tidos como reservatórios naturais são de porte avantajado e podem se deslocar por grandes distâncias. Eles não são hematófagos. A distribuição geográfica desses morcegos é muito ampla, indo da costa ocidental da África até a Austrália. Esses fatos somados ao precário serviço sanitário e de controle de fronteiras dos países africanos torna o quadro muito preocupante.

O Brasil tem recebido fluxo migratório muito importante da região ocidental da África, que se intensificou com a Copa do Mundo em 2014. O comércio com os países dessa região, sobretudo o trânsito de containers nos portos, deve ser fiscalizado de maneira rigorosa. Da mesma forma, a chegada de passageiros dessas regiões deve ser acompanhada de avisos e melhor monitoramento por parte das autoridades sanitárias.

Por fim, a atuação na região onde irrompem surtos e a solidariedade internacional são fundamentais para garantir tratamentos humanitários e evitar que haja um êxodo da região. Ações de esclarecimento sobre formas de prevenção de contágio são parte dessa estratégia junto às populações diretamente atingidas.

Fonte: Organização Mundial da Saúde, Science Magazine (special collection Ebola Virus) – agosto de 2014, e

PETTITT, J et al, Therapeutic Intervention of Ebola Virus Infection in Rhesus Macaques with the MB-003 Monoclonal Antibody Cocktail. Sci Transl Med (5): 199ra113 (2013)

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