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As transições que faltaram a Darwin
Uma das maiores críticas endereçadas à teoria da Evolução de Charles Darwin (1809-1882) apontava para o desconhecimento de formas intermediárias entre os seres vivos da biota atual. A justificativa dada por Darwin era a de que o registro fóssil não funciona como um arquivo perfeito de todas as formas produzidas no passado geológico, e sempre apresentará descontinuidades, por conta de uma série de variáveis. A probabilidade de uma criatura deixar registro fóssil depende de uma série de fatores, nem sempre presentes. Além disso, devido ao longo tempo envolvido, mesmo os fósseis formados podem ser perdidos, seja por processo erosivos, metamórficos ou tectônicos. Além disso, obviamente, devem ainda ser achados, o que envolve mais incertezas.
Essa última variável começou a ser comprovada logo após a publicação do livro “Origem das Espécies” (1859), quando foi apresentado um fóssil de uma forma transicional entre répteis e aves, o Archaeopterix lithographica. No aniversário de 150 anos da publicação do livro, outra forma transicional, um dinossauro de plumas, foi descrito (Anchiornis huxleyi), comprovando novamente que ainda há muitas descobertas a serem feitas (vj. texto de aprofundamento adiante).
Uma delas foi apresentada no início de fevereiro de 2018, envolvendo uma descoberta fantástica com aracnídeos, animais de fossilização muito mais improvável do que animais com ossos, escamas ou conchas. Negociantes ofereceram âmbar de Mianmar a uma instituição científica chinesa, que o adquiriu por reconhecer seu valor (Fig 1). O âmbar se forma quando resina produzida por troncos de árvores se solidifica e se fossiliza. Por vezes, acaba guardando insetos e pequenas criaturas que tenham aderido a ele, exemplo explorado pelo cinema. Mas desta vez é verdade, e o artigo original pode ser encontrado no link:
Fig 1 – O aracnídeo fóssil de Mianmar, com 7 mm (2,5 mm de corpo)
A datação do pedaço de âmbar foi um processo decisivo para entender a importância do fóssil, revelando ser do Cretáceo, de cerca de 100 milhões de anos, em época alguns milhões de anos mais recente do que a do Archaeopterix. Isso significa que não é o ancestral direto das aranhas atuais, pois elas se originaram muito antes, possivelmente há 300 milhões de anos. Mas é uma testemunha da diversidade que houve dentro da classe Arachnida. Os escorpiões são os mais antigos membros do grupo, com formas aquáticas conhecidas no Siluriano e no Devoniano. Os escorpiões terrestres começam a aparecer no Carbonífero e provavelmente é nesses terrenos, de mais de 280 milhões de anos, que se encontrarão as formas ancestrais das aranhas atuais.
Esse fóssil lembra, à primeira vista, os membros de um pequeno grupo de aracnídeos, com apenas cerca de 85 espécies na fauna atual, da ordem Palpigradi (Fig 2).São animais pequenos, que vivem sob cascas de árvores em regiões tropicais e subtropicais, mas também em climas temperados, como Eukoenenia vagvoelgyii, que se alimenta de ovos de artrópodos. Mas nenhuma dessas espécies é capaz de tecer fios, como fazem as aranhas.
Figura 2 – Espécie da fauna atual, Eukoenenia vagvoelgyii, encontrado em florestas da Hungria, com cerca de 2,8 mm. Não possui glândulas fiandeiras, nem olhos, e os apêndices anteriores têm função táctil.
Ao comparar esquemas dos dois animais, perceba algumas diferenças notáveis, como a presença de fiandeiras, as glândulas que produzem seda, uma importante sinapomorfia do grupo das aranhas. (Fig 3a e 3b).
Fig 3a – Palpígrado da fauna atual
Fig 3b – Aranha do Cretáceo descrita em fevereiro de 2018 como Chimerarachne yingi.
Entre as características que permitem situar o fóssil em um grupo muito próximo ao das aranhas, e não na ordem dos palpígrados, figuram as quatro glândulas fiandeiras, uma sinapomorfia do grupo das aranhas. Já eram conhecidas aranhas fósseis com apenas quatro fiandeiras, o que se considera uma característica das aranhas mais antigas. As aranhas atuais, no entanto, não têm o abdome segmentado, mas possuem glândulas fiandeiras. Afortunadamente, nos dois exemplares presentes na resina foi possível identificar o pedipalpo utilizado na cópula pelo macho, outra característica distintiva do grupo. Um grupo de aranhas, considerado muito antigo, ainda possui, no entanto, marcas da segmentação do abdome: são as aranhas da subordem Mesothelae. Elas possuem placas dorsais no abdome, e sete ou oito fiandeiras, mas o pedipalpo sexual é ligeiramente diferente daquele encontrado no fóssil. Por misturar características de diferentes grupos, o novo gênero foi chamado de Chimerarachne, ou seja, uma referência ao monstro da mitologia grega, um monstro animal que apresentava características de diferentes animais: leão, bode e serpente!
As imagens do fóssil, produzidas por diferentes técnicas permitem reconstruções artísticas interessantes:
Para entender melhor o significado do gradualismo, na evolução, veja o texto a seguir:
Bibliografia:
BIZZO, N. Biologia, Novas Bases, Col. Integralis, Volume 3, pág 156-158, São Paulo: IBEP (2017).
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