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Três Formas de (des)Valorização dos Professores

Categoria: Escola

Três Formas de (des)Valorização dos Professores

Em início dos anos 2000 recitava-se uma cantilena no Ministério da Educação dizendo que, mais uma vez, muitos professores iriam perder o direito de trabalhar a partir de uma certa data, que alguns diziam ser 23 de dezembro de 2006, outros diziam ser o ano seguinte. Os professores que davam aulas na educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental iriam perder o direito de dar aulas se não conseguissem um diploma de nível superior, mesmo tendo sido aprovados em concurso público de provas e títulos e, neste caso, apresentado um diploma de nível médio, na modalidade normal.

Esse vaticínio foi repetido à exaustão, inclusive por entidades sindicais e até mesmo universidades, levando ao desespero centenas de milhares de professores, que se viram compelidos a conseguir uma credencial de nível superior. Professores que trabalhavam em pequenas escolas e ganhavam não mais de R$ 300,00 se viram obrigados a pagar metade de seu salário a instituições que ofereciam cursos rápidos, por vezes nas poucas instituições autorizadas a funcionar à distância.

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O diploma de licenciatura como título pretensamente precário

Na verdade, essa história repetia, como comédia, uma anterior, que foi tida como tragédia. Em 1996 tinha sido aprovada uma nova lei geral da educação, que dizia que, para ser professor, era necessário ter diploma de licenciatura, de “graduação plena”. Logo em seguida, pessoas ligadas a instituições de ensino privadas, passaram a trabalhar no sentido de difundir a notícia de que essa nova determinação legal tornava os portadores de diploma de licenciatura curta literalmente professores “fora da lei”. Tinham ido dormir em um certo dia como profissionais que tinham estudado, se preparado para exercer uma profissão, cumprindo em boa-fé todas as exigências legais, mas, ao acordar, o barulho do despertador trazia a notícia de que daquele minuto em diante tudo aquilo estava anulado e que tinham perdido o direito de trabalhar.

O novo Plano Nacional de Educação traz metas ambiciosas para os próximos dez anos, entre elas estipula que todos os professores realizem cursos de pós-graduação. Novamente, estamos diante da possibilidade de ver professores que têm diploma de licenciatura, de graduação plena, concursados e em pleno exercício da profissão, acordando certo dia com a notícia de que tudo o que fizeram não mais os habilita a exercer uma profissão.

Esses três casos ilustram a mais perversa e desleal forma de desvalorizar os professores. Trata-se da desvalorização formal: o título exigido para o exercício profissional dos professores é tido, entre nós, como sendo precário, passível de ser tido como ilegal a qualquer tempo, até mesmo sem nenhuma alteração na lei. Sim, porque nosso primeiro exemplo apontava justamente para os professores cujos diplomas satisfaziam expressamente um dos artigos daquela lei (Lei 9394/1996), que dizia, em seu artigo 62: “admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio,na modalidade Normal” (redação original de 1996). Centenas de milhares de professores honestos e trabalhadores foram aterrorizados, ao mesmo tempo em que a propaganda espertamente oferecia vagas em cursos rápidos, em instituições de educação superior privadas ou, ainda pior, públicas mas não gratuitas, de acordo com o que aquele artigo rezada “em universidades e institutos superiores de educação.”

A desvalorização formal dos professores é fenômeno ainda pouco estudado do ponto de vista da pesquisa acadêmica. A partir de uma base falsa, estabelece que a formação inicial confere título profissional precário e provisório, o que traz consequências para diversas esferas de atuação cotidiana, e não apenas de acesso a postos de trabalho, em concursos públicos ou processos seletivos de diversos tipos. Como profissionais precariamente qualificados formalmente, é comum subtrair prerrogativas ligadas ao exercício profissional, por exemplo, tomando do professor diversas decisões diretamente ligadas `a sua especialidade. A participação na definição do projeto pedagógico é um exemplo, sendo comum impor ao professor uma série de decisões, às quais, a rigor, ele teria direito, assegurado em lei, de ser consultado, expressar sua opinião e participar da decisão. Da mesma forma, a definição do material didático a utilizar e decisões sobre a avaliação e promoção dos alunos, não poderiam ser tomadas sem a concordância do professor. Seria o mesmo que diplomar um médico, mas negar-lhe o direito de prescrever algum remédio a seus pacientes, ou mesmo decidir se eles podem ter alta do tratamento.

Desvalorização formal e suas duas irmãs

A desvalorização formal dos professores é a mãe invisível da desvalorização simbólica e da desvalorização real. Esta última é a mais concreta, que literalmente nos atinge nos bolsos. É duro ver concursos para cargos de nível médio, seja no Executivo, seja no Judiciário, oferecendo salários iniciais maiores daqueles que um professor da educação básica recebe ao final de uma carreira de trinta anos. A luta por salários é dificultada tanto pela desvalorização simbólica, que atinge os professores em sua autoestima, mas sobretudo pela desvalorização formal. É cada vez mais frequente oferecer vantagens pecuniárias ao professor diante de “metas”, as quais implicam renúncia de alguma de suas prerrogativas profissionais. Por exemplo, ao abrir mão da avaliação de seus alunos, o professor pode ter a oportunidade de ganhar algum tipo de prêmio em dinheiro caso eles obtenham determinada pontuação mínima em uma prova externa, ou algum índice que conjugue resultados fora do alcance do professor, como o nível socioeconômico de seus alunos. Além de humilhar os professores, privando-os de realizar ações diretamente ligadas a seu trabalho, essas estratégias cumprem uma importante ação ideológica, pois lançam uma cortina de fumaça sobre os aspectos mais importantes do sucesso escolar, e passam a impressão de que ele depende exclusivamente da competência profissional do professor. As definições impostas, como condições de trabalho, currículo e material didático, por exemplo, ficam em segundo plano, e o nível socioeconômico dos alunos, a variável sabidamente mais relevante, passa totalmente desapercebida. Essas estratégias, além do mais, passam a impressão de que os professores atuam de maneira mercenária, “lucrando” com o sucesso de seus alunos, uma distorção absurda e desmoralizante.

Os diretores e coordenadores pedagógicos pouco ou nada podem fazer diretamente pela valorização real dos professores, uma vez que pouco – se algo – têm a ver com definições salariais, sobretudo nos sistemas públicos. No entanto, sem dúvida, eles podem fazer a diferença em relação à desvalorização simbólica, em diferentes planos. Dar relevo à aquilo que os professores fazem, e não ao que deixam de fazer, é um passo importante, que pode trazer resultados imediatos. Conhecer o que os professores planejam e o que implementam em suas aulas, de maneira individual ou coletiva, é um passo importante para poder valorizar suas ações do ponto de vista simbólico. O diretor pode ser algo além de um administrador, e se envolver com as questões pedagógicas, as atividades-fim da escola.

O que diretores e coordenadores podem fazer?

Recentemente pude ter contato com professores que fizeram um interessante relato das maneiras pelas quais diretores atuaram decisivamente para valorizar simbolicamente seu trabalho. Diante da possibilidade de tomar parte em um projeto de pesquisa, certos diretores incentivaram os professores de Biologia a participar, encontrando possibilidades de afastamento de maneira ágil, a partir de acertos com colegas de trabalho. Ausentes por alguns dias, os professores participariam de sessões de trabalho em São Paulo durante alguns dias; ao retornar fariam a reposição das aulas que deixariam de ter dado.

O relato de uma professora do Espírito Santo foi particularmente interessante, pois ela trabalha em duas escolas, nas quais a reação dos diretores foi diametralmente oposta. Enquanto um deles a encorajou a viajar, o outro impôs os mais diversos obstáculos de ordem burocrática, revelando como podem ser diferentes as posturas de diretores, dentro de suas esferas de atuação, em escolas do mesmo sistema de ensino, na mesma cidade. Outra professora teve sua participação noticiada no site da Secretaria de Educação da Bahia, com uma extensa matéria relatando o trabalho desenvolvido e o projeto de pesquisa. Seguramente o diretor da escola teve participação na obtenção desse espaço institucional.

Mas a atuação de diretores e coordenadores não se limita ao campo da valorização simbólica, por mais importante que ela seja. Diretores podem dar uma contribuição decisiva para a valorização formal dos professores, assegurando-lhes o exercício de suas prerrogativas profissionais, asseguradas em lei. A definição do material didático e as decisões sobre a avaliação de seus alunos pode contar com o respaldo da autoridade maior da escola, porque tem amparo na legislação. Por mais pressão que os órgãos centrais façam sobre a escola, os diretores têm estatura administrativa para preservar os professores, e assegurar respeito a seu exercício profissional.

Tenho certeza que diretores e coordenadores podem fazer a diferença na escola, estimulando a sinergia entre os diferentes segmentos que a compõem.

 Sugestões de leitura:

Exemplo de valorização simbólica dos professores em notícia recente:

https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2018/03/02/interna-brasil,663349/governo-do-maranhao-aumenta-salario-de-professores-para-quase-r-6-mil.shtml

Sobre a validade do diploma de nível médio, na modalidade normal, par ao magistério na educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental:

 http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/pceb003_03.pdf

Sobre o direito dos professores fazerem valer as prerrogativas profissionais de seus diplomas, diante de novas exigências da lei:

 http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/pceb038_03.pdf

http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/pceb039_03.pdf

e

Parecer da Conselheitra Maria Beatriz Luce, ratificando a interpretação da intertemporalidade das leis educacionais:

 http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/pceb008_05.pdf

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